sábado, 31 de março de 2012

Eco

O frio era gélido e anestesiante. Ambos estavam aflitos com tudo aquilo. Sentados em alguma parte da montanha, o mais importante até ali foi o que os moveu a subir tão alto, a obstinação. Provaram para si próprios que os limites, as dificuldades ou muitos obstáculos podem ser vencidos com ímpeto e coragem. Há que arriscar sempre. Vencer o medo era quase que uma obrigação. Queriam ser lembrados na história por tamanho feito. Todos conheceriam essa história. Venceram o gelo da neve, o frio e os caminhos mais íngremes da escalada. O vento que soprava em todas as direções era penetrante. Enfrentaram o despenhadeiro, o abismo que se formava em lanças de rochas pontiagudas apontadas ao céu, uma queda até ali e seus corpos se desfariam em pedaços. Já não havia mais o que contemplar, a brisa esparsa daquela tarde de inverno cerrava seus olhos e fechava para eles como um véu branco e brumoso. O frio longo e absoluto não foi capaz de congelar o tempo. Ambos se olhavam com o estúpido espanto que emergia ao medo e as lembranças que saltavam de seus olhos. Já não havia mais roupa inteira em seus corpos. Os pedaços perdidos ao longo da escalada eram levados inalcançáveis para qualquer lugar de desterro. Perdidas seriam suas memórias, preencheriam o vago que se instalou por entre as rochas que de quando em vez ecoavam o grito estridente e triste da águia que ali vai para seu estado de regeneração. Foi que perceberam que ainda haveria um meio de aquecê-los, mas precisariam romper com o passado e seus temores. Aos poucos, como num gesto despretensioso e humano um se achegou ao outro. Era o grito de misericórdia que poria fim de uma vez por todas aquilo que nunca conseguiram esquecer e que sempre os impediram de abraçar-se. Nada mais estava à tona por ali. Esquecido foi o passado. Num abraço franco e fraterno os irmãos que esticavam suas mãos para dentro do quintal alheio, disputando os figos da primavera não atingiram o cume e juntaram-se num só corpo acolhendo a morte para dentro de si.